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Livro de professor do campus desvenda as origens do trabalho doméstico

Intitulada "Nem mãe preta, nem negra fulô", obra resulta de um trabalho de 4 anos de pesquisa desenvolvida pelo docente durante doutorado
por publicado: 28/04/2016 15h46 última modificação: 05/05/2016 14h56

As raízes escravocratas do trabalho doméstico no Brasil, a informalidade característica da relação entre a empregada e o patrão, que muitas vezes transita entre a afetividade e a exploração, são questões que estão na ordem do dia. No cinema, o mais recente filme brasileiro que concorreu a uma indicação ao Oscar, Que horas ela Volta?, estrelado pela atriz Regina Casé, expõe a natureza contemporânea dessas relações. Intitulado “Nem mãe preta, nem negra fulô” , o livro escrito pelo professor de História do Campus Recife Maciel Henrique Silva resgata a abordagem dessas questões numa perspectiva histórica. 

A obra é o resultado de um trabalho de quatro anos de pesquisa desenvolvida pelo docente durante seu doutorado História Social na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Seu livro faz um retorno ao passado - mais precisamente ao período entre os anos de 1870 a 1910 - para investigar a formação do trabalho doméstico num país que começava a se libertar da escravidão. O professor recorre a jornais, legislação e registros policiais da época para reconstruir as origens de um processo que permitiu que a herança escravista se fizesse presente nas casas brasileiras ainda no século XXI.

“No meu recorte, pego um momento inicial de formação de uma classe que estava permeado por tensões ligadas à abolição da escravidão. É um período em que se cristalizam alguns costumes, tanto em termos de exploração como de conquistas”, explica. O livro mostra que, no período que antecede a abolição, houve tentativas regionalizadas de se regulamentar o trabalho doméstico. Mas os arranjos informais terminaram ganhando força e se perpetuando até hoje.

Segundo ele, mesmo após “libertas”, as trabalhadoras enfrentavam uma situação de vulnerabilidade, não tinham para onde ir e, por isso, permaneciam nas casas das antigas famílias. “O trabalho era o mesmo. Havia um nível teórico de proteção, mas muito falho, que camuflava muitas violências e exploração de trabalho”, sustenta. O pesquisador cita casos de trabalhadoras que eram estupradas e espancadas impunemente pelos patrões ou parentes deles, por exemplo. 

“O título do trabalho afirma uma resistência, uma negação à imagem da “mãe preta”, associada à docilidade, àquela pessoa da família”, e da “negra fulô”, objeto de desejo dos patrões. Essas imagens permeiam o imaginário da literatura brasileira, em obras de Gilberto Freyre e José Lins do Rego, por exemplo, mas escondem um conflito”, afirma.  De acordo com o professor Maciel Henrique, a informalidade e a falta de regulamentação dessas relações trabalhistas ajudaram a criar o estigma de submissão presente no trabalho doméstico.

O processo de ampliação e conquista de direitos da categoria ocorre de forma muito mais lenta, segundo ele, do que em relação aos trabalhadores de chão de fábrica ou da zona rural. O exemplo ilustrativo dessa lentidão foi a aprovação da chamada PEC das Domésticas, que só ocorreu em 2013 e sua regulamentação em 2015, embora algumas conquistas tenham sido alcançadas com a Constituição de 1988.

“Considero que foi uma evolução sim, embora seja possível melhorar. Hoje, há um sentido profissional e uma equiparação ainda que incompleta com outras categorias profissionais. A história das trabalhadoras domésticas é permeada sempre pela luta por dignidade e direitos”, afirma o pesquisador.