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Lugar de mulher é na ciência

Projeto sobre cuidado em saúde mental é exemplo da força feminina no meio científico


Repensar novas formas de cuidado em saúde mental se tornou uma prioridade para um grupo composto por mulheres pesquisadoras do Campus Pesqueira. A docente Valquíria Bezerra Barbosa e as estudantes Dária Catarina, Iandra Rodrigues, Aline Oliveira, Paula Layse e Jaqueline Lopes, todas do Bacharelado em Enfermagem, são as responsáveis pelo projeto de pesquisa intitulado Implicações da Interdisciplinaridade para as Práticas e Estratégias de Cuidado em Saúde Mental na Rede de Atenção Psicossocial, surgido em 2016.

De acordo com Valquíria, que coordena o projeto, o objetivo é analisar o desenvolvimento de práticas e estratégias territoriais e interdisciplinares de cuidado em saúde mental no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do município de Pesqueira, com ênfase nas tecnologias leves para o cuidado de Enfermagem, que são fundamentadas no acolhimento, diálogo, vínculo, corresponsabilidade e escuta ativa entre usuário e profissional. O estudo abrange usuários do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) das comunidades urbanas e rurais de Pesqueira e também o povo indígena Xukuru do Ororubá.  

Segundo a docente, a pesquisa tem contribuído para o fomento de tecnologias leves de cuidado com o intuito de tirar o foco na prescrição medicamentosa, recurso bastante indicado ao longo da história para tratamento psiquiátrico dos sintomas de loucura. “Já está comprovado cientificamente que a medicação não é capaz de dar resposta a todas as necessidades do usuário, de sua família e da sociedade, pois, acima de tudo, ela silencia e invisibiliza o sofrimento. Em contrapartida, as tecnologias leves contribuem para que o doente compreenda seu processo de adoecimento e construa novos processos relacionais e projetos de felicidade”, pontuou a pesquisadora.

A coordenadora cita como aplicações práticas dessas tecnologias as técnicas de relaxamento, meditação, práticas corporais (como alongamento) e práticas integrativas de saúde, como fitoterapia (uso de plantas medicinais) e auriculoterapia (estimulação de pontos nas orelhas), entre outras.

MULHERES PESQUISADORAS  

Valquíria ressalta que, desde sua inserção como bolsista de iniciação científica na universidade, durante todo o período de graduação e, posteriormente, no mestrado, conviveu com os desafios de ser pesquisadora num universo predominantemente masculino. Ela diz que, ao mesmo tempo que se deparou com estratégias de sobreposição de barreiras àquelas que não se enquadram na hegemonia masculina vigente, aprendeu com suas orientadoras a desenvolver vantagens competitivas que a mantivessem nas “regras do jogo”. “Desenvolvi disciplina acadêmica, capacidade de comunicação oral e escrita e de trabalho em equipe, responsabilidade com metas e prazos. Como mulher nordestina, tenho uma sensibilidade diferenciada para compreender nuances das políticas afirmativas e para leituras de contextos sociais complexos. E como pesquisadora, procuro “ensinar” minhas orientandas a desenvolver essas e outras estratégias competitivas”, esclareceu.

A estudante Iandra Rodrigues é uma das orientandas da docente integrante do projeto, e reforça que não há diferença cognitiva entre os gêneros. “Nós, mulheres, tivemos muitas conquistas no decorrer destes últimos séculos, tanto na educação formal quanto no mercado de trabalho. Naturalmente, o número de mulheres no campo da pesquisa também vem aumentando”, disse.

A discente acredita que a subjetivação da mulher no ramo da pesquisa está cada vez mais fragilizada, visto que as mulheres vêm ganhando espaço e sendo inseridas com propriedade no mundo da ciência. “Eu vejo o espaço que nós temos e estamos conquistando como muito positivo. Dessa maneira, devemos continuar a buscar e incentivar outras a crescerem e serem sujeitos da própria história”, destacou.  

Iandra tem um exemplo pessoal dessa conquista das mulheres no universo da pesquisa. Recentemente, em 2018, ela foi premiada em 1º lugar na categoria pôster da área de Saúde no Congresso Norte-Nordeste de Pesquisa e Inovação (Connepi), com o trabalho Saúde da Mulher: percepções e saberes das usuárias do Centro de Atenção Psicossocial.

Jaqueline, outra graduanda que compõe o projeto da professora Valquíria, também faz parte dessa luta constante do empoderamento feminino na área da pesquisa. Além de ser mulher, ela é indígena, integrante do povo Xukuru do Ororubá. Para Jaqueline, não é tão simples quanto parece estar inserida em um meio de subjugação, mas os desafios a impulsionam. “O tempo todo a sociedade tenta nos impor o que fazer e como fazer, e isso se agrava no meio científico, por ainda ser predominantemente masculino, então, digamos que ainda seja árduo o caminho para nós. Sou mulher, indígena, baixa renda, cotista, e eu vou continuar fazendo ciência”, frisou a estudante.

Assim como Jaqueline, Iandra e demais pesquisadoras, é notório um número crescente de mulheres, docentes e estudantes, engajadas no universo da pesquisa, especialmente em áreas do conhecimento que são tradicionalmente ligadas ao gênero masculino, como as engenharias. Para Flávio Albuquerque, coordenador de Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação do IFPE (Propesq), a ascensão da mulher como produtora e difusora de conhecimento científico relevante e de qualidade já é percebida no país inteiro, em todas as áreas do conhecimento e setores produtivos, destacando-se também no interior do país. “Considero tal realidade uma importante conquista feminina no Brasil, um país de desenvolvimento tecnológico tardio. Essa ascensão feminina no mundo da pesquisa torna-se, portanto, um movimento disruptivo que quebra a arraigada e frágil concepção de que o conhecimento de qualidade é produzido apenas por homens, brancos e no litoral”, ressaltou Albuquerque.

 

Por Pablo Braz

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