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Musicoterapia reduz sofrimento psíquico de pessoas com transtornos mentais
Projeto de extensão do IFPE Olinda continuará trabalho com novos participantes
Era mais uma visita ao Centro de Atenção Psicossocial Nise da Silveira – CAPS, no bairro de Rio Doce, onde Fabíola Martins, 43 anos, recebe tratamento para sua depressão. Naquela quarta-feira do mês de abril de 2021, ela foi convidada para participar de um grupo de musicoterapia, projeto de extensão do IFPE Olinda. Prontamente disse não. A resistência não era à toa. Fabíola não gostava de contato com outras pessoas, preferia estar só. Depois de algumas conversas, resolveu dar uma chance a mais um tipo de terapia, entre as tantas outras pelas quais já tinha passado durante seis anos. “Não tinha nenhum interesse, mas digo a você, foi uma das melhores coisas que já fiz”, garante.
Durante três meses, Fabíola, que não levantava pela manhã passou a acordar cedo para acompanhar as sessões. A vontade de estar no grupo a ajudou, inclusive, a reduzir os remédios. “A medicação que tomo é muito forte e pela manhã estava sempre dormindo. Por causa da musicoterapia, deixei de tomar a medicação da noite para poder acordar de manhã”, comemora. Ela ainda lembra da primeira música que cantou em grupo. “É preciso saber viver”, escrita por Roberto Carlos e Erasmo Carlos e regravada por Titãs, é cantarolada até hoje, enquanto realiza uma ou outra atividade. “Fiquei pensando que é preciso saber viver e eu não estava vivendo de forma correta. Essa música me fez refletir bastante. Passei a gostar de cantar e associar as músicas trabalhadas no grupo com a minha vida”, revela.
E foi assim que a música deu novos olhares para Fabíola, assim como aos demais usuários. Se antes não saia de casa, ela passou a cantar olhando nos olhos dos colegas e da equipe que a acompanha. “Fui tratada como gente e não como doida”, desabafa. Nas rodas formadas embaladas por música, o importante não é aprender técnicas de música ou tocar instrumento, mas desenvolver a percepção de si, a percepção do outro e do mundo, através de experiências musicais. Tudo realizado sob a supervisão do coordenador do projeto e professor do IFPE Olinda, José Davison da Silva Júnior, da bolsista do projeto, Letícia Melo, do colaborador externo e musicoterapeuta, Wellington Oliveira, além da equipe multidisciplinar que atua no CAPS.
Um desses integrantes que acompanhou o projeto de perto foi o farmacêutico Diego Ramalho do Nascimento, técnico de referência do CAPS. “A gente observou pelos relatos dos usuários que eles chegavam angustiados. Com a inserção da musicoterapia no auxílio do tratamento, essa realidade mudou. O sofrimento e a angústia diminuíram. Muitos, inclusive, passaram a incorporar práticas e vivências de músicas para além do CAPS”, relata.
A proposta do projeto é que a cada três meses sejam atendidos quinze usuários. “Finalizamos o primeiro grupo e foi possível perceber resultados positivos. Foram trabalhadas as funções psíquicas, como a atenção, orientação, sensopercepção, memória, afetividade, vontade, psicomotricidade, pensamento e linguagem através das experiências musicais de improvisação e recriação. Os usuários puderam se expressar através do fazer musical, compartilhar sentimentos e pensamentos. Tudo isso contribuiu para ajudar no melhor funcionamento fora do contexto terapêutico”, explica o coordenador do projeto, Davison.
E ajudou mesmo. Quem garante o esposo de A.T.S., Dival Pereira. O vigilante percebeu que a mulher ficou mais animada e menos angustiada. “Foi uma evolução para melhor. Ela tem problemas com suicídio. Já tentou tirar a vida várias vezes. Já cortou pulsos, garganta, seios. Ela tem uma bipolaridade alta e uma depressão profunda. Agora, ela fica com o celular ligado direto tocando as músicas, cantando e dançando. Até já voltou a se exercitar na academia”, celebra.
A.T.S. que também não saia de casa contava as horas para participar das sessões de musicoterapia. “A música acalmava. Saia de lá tranquila e alegre. Naqueles momentos, esquecia de tudo. A mente ficava vazia. Em vez de vozes me incentivando a fazer besteira, passei a ouvir música. Foi bom não só para mim, mas para todos. Foi uma tristeza quando terminou. Muita gente chorou”, lamenta.
O fim do grupo, tão lamentado, é para dar oportunidade a outros usuários. “No tratamento de pessoas com transtorno mental é importante observar três aspectos, principalmente: o tratamento farmacológico, ou seja, os medicamentos; o tratamento não farmacológico, no caso, a Musicoterapia; e o suporte social, ou seja, o apoio da família. Por isso, pretendemos visitar os familiares dos usuários e organizar um Grupo de Musicoterapia com seus familiares, para que possamos incentivar o apoio dessas famílias”, esclarece o professor Davison.
O benefício não é só para os usuários. O coordenador do projeto se sente realizado por auxiliar as pessoas em sofrimento psíquico a minimizar um pouco sua situação, especialmente nesse período de pandemia que vivemos. “É muito gratificante o retorno positivo feitos pelos usuários, de melhora no humor, motivação para continuar, sentimento de acolhimento e pertencimento, contribuindo com um melhor funcionamento na vida cotidiana”, comemora. O próximo grupo a ser atendido terá início a partir de julho. O objetivo continua o mesmo. Levar a musicoterapia, uma intervenção não farmacológica de baixo custo, para promover o bem-estar e melhorar a qualidade de vida de pessoas com transtorno mental.