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Docente do IFPE desenvolve estratégias de ensino de Microbiologia voltadas para deficientes visuais

A iniciativa é pioneira no tocante ao ensino de Microbiologia para níveis técnico e superior


Superar desafios na educação inclusiva é uma tarefa constante tanto para quem ensina como para quem aprende. Para deficientes visuais, é mais desafiador ainda quando se trata do ensino da Microbiologia, subárea da Biologia que se dedica a vida microscópica, por ser uma disciplina visual e prática. Pensando em tornar esse ensino mais acessível e conectado com a realidade, o professor Anderson Felipe, do Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia de Pernambuco (IFPE), desenvolveu estratégias adaptadas para o ensino de Microbiologia para deficientes visuais.

De acordo com Anderson, que é docente do Campus Garanhuns, a Microbiologia exige um maior nível de abstração por parte do estudante, pois o objeto de estudo são seres extremamente minúsculos e invisíveis a olho nu. Diante disso, e motivado pela presença de uma aluna com deficiência visual em uma turma do curso técnico integrado em Meio Ambiente, ele resolveu aplicar, na disciplina de Microbiologia Ambiental, alternativas metodológicas para garantir o acesso e permanência de estudantes deficientes visuais nessa área de conhecimento. Segundo o professor, a iniciativa é pioneira na literatura científica no tocante ao ensino de Microbiologia para níveis técnico/superior.

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Percepção tátil de modelos didáticos elaborados

Entre essas estratégias adotadas, está a construção de modelos didáticos adaptados. O docente destaca que, para esse público, é imprescindível a produção de materiais que estimulem os demais sentidos, como tato, audição e olfato, pois o manuseio de objetos táteis, com diferentes texturas, tamanhos e relevos, é um importante aliado no processo de ensino-aprendizagem. “Houve uma preocupação constante de permitir que a estudante explorasse manualmente instrumentos utilizados na Microbiologia, como vidrarias de laboratório, estufa, microscópio e autoclave. Também foram produzidos materiais de estímulo tátil utilizando-se Placas de Petri, cartolinas e cola de alto-relevo para produção de modelos referentes às técnicas de semeio microbiano em Placas de Petri com meio de cultura e padrões de crescimento e morfologia de diversos grupos de microrganismos”, detalha.

Foi necessária também a adaptação do livro didático, um recurso fundamental no ensino de Ciências. “Pela falta de disponibilidade de livro de Microbiologia em braille ou audiobook não só na Instituição, mas no mercado, foi preciso o preparo de textos em braille sobre cada conteúdo. Os textos foram preparados com base no assunto trabalhado em sala e no livro-texto adotado na disciplina, para garantir que a estudante tivesse acesso ao mesmo material de estudo dos demais”, explica Felipe.

Além disso, foi aplicada nesse processo a participação do aluno-apoiador, que auxilia o docente na condução das atividades, sendo um agente relevante para a inclusão acadêmica dos alunos com deficiência visual. “Os colegas de sala mais próximos da estudante foram constantemente estimulados a colaborar no processo, realizando acompanhamento durante as aulas teóricas, dando suporte para explicar imagens projetadas em data-show ou feitas no quadro e durante aulas práticas, inserindo ao máximo a estudante na realização de experimentos”, esclarece o docente. A estudante Maria Gabriela foi uma das alunas-apoiadoras e relata: “É uma experiência nova e enriquecedora que achei que nunca iria passar na minha vida. Sem dúvidas, isso me tornou uma pessoa mais humana, empática e esforçada.”

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Esquema em alto-relevo da morfologia de microorganismos

Felipe enfatiza que a abordagem prática em Microbiologia também é essencial para que a estudante pudesse interpretar e empoderar-se melhor dos conteúdos em sala. Dentre as atividades práticas realizadas na disciplina, o docente destaca o preparo de vidrarias de laboratório para autoclave, coleta, semeio e análise de microrganismos em meio de cultura previamente preparados e coloração de Gram. “Por fim, para corroborar com todo o processo, é realizada uma avaliação inclusiva, na qual a estudante se submete a provas formais impressas em braille, e avaliada de acordo com critérios como o relacionamento interpessoal, o interesse pelas atividades que lhe são sugeridas, o uso do corpo e dos demais sentidos, o desempenho em sala de aula e análise de habilidades adquiridas para exercício profissional e cidadão”, complementa Anderson.

E quem passou por toda experiência foi a estudante Milayne Panta. Ela revela que essas atividades foram muito positivas para o seu aprendizado. “Pude ter a sensação de estar inclusa em uma disciplina que é bastante visual. E usar um dos sentidos para perceber os equipamentos e vidrarias ajuda bastante”. Quanto ao uso dos modelos em alto-relevo, ela ressalta que passou a compreender melhor e ter mais interesse pelo conteúdo. “Ter esse acesso tátil facilitou muito. Para mim, é algo muito inovador. A disciplina de Micro, que eu acreditava que seria só para cumprir tabela, passou a ser uma das que eu mais gosto do curso de Meio Ambiente. Isso se dá por meio desse preparo específico de material, do apoio do professor e colegas. Tem sido só crescimento”. A colaboração do aluno-apoiador, em especial da Maria Gabriela, também foi de suma importância para ela: Nas aulas práticas, os colegas têm muito interesse de fazer a descrição do que está sendo visto no microscópio. Isso contribui tanto para o professor quanto para mim”.

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Manuseio tátil de microscópio, acompanhado de aluno-apoiador

Para a estudante, vivenciar esse processo de ensino-aprendizagem foi impactante em sua vida: “São experiências que guardarei para sempre. É difícil ter professores que queiram engajar você em atividades. Porque adaptações requerem mais tempo do professor, requerem conhecimentos específicos. Fui privilegiada por ter esse acesso. A Microbiologia foi muito importante, pois se eu tivesse tido as oportunidades que tive nesta disciplina em outras, com certeza teria evoluído muito mais”.

Para saber mais sobre o trabalho desenvolvido pelo professor Anderson Felipe, acesse o artigo completo, que foi publicado em uma revista da área de Educação:

Estratégias Metodológicas Adaptadas para o Ensino de Microbiologia para Deficientes Visuais

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